Cuidado com os cães!
Em Filipenses 3.2 lemos: “Cuidado com os ‘cães’, cuidado com esses que praticam o mal, cuidado com a falsa circuncisão!”. Paulo passa esse tipo de advertência em quase todas as suas cartas. Ele adverte contra falsos mestres que penetram na igreja e ensinam algo diferente do que Paulo e os apóstolos. Ele descreve os falsos mestres como cães, como quem pratica o mal e como aqueles que introduzem uma falsa circuncisão. Quando se trata do evangelho, Paulo não contemporiza. Do ponto de vista atual, isso não é “politicamente correto”. Em nossos dias, muitos – especialmente políticos – procuram enfeitar o que dizem para de modo nenhum ferir alguém. Paulo, no entanto, não pode tolerar nada que afaste da doutrina da graça.
Quem são os cães a que Paulo se refere? Naqueles tempos, os cães eram diferentes daqueles que conhecemos hoje. Para nós, o cão é um animal doméstico e é tido como agradável, gentil e o melhor amigo. Naqueles tempos, porém, os cães eram selvagens, circulavam em bandos e só viviam em busca de vítimas. O mesmo comportamento é o dos falsos mestres que penetram na igreja. Eles procuram a quem possam devorar e onde estão os pontos fracos.
No Salmo 59.4-5 diz: “Mesmo eu não tendo culpa de nada, eles se preparam às pressas para atacar-me. Levanta-te para ajudar-me; olha para a situação em que me encontro! Ó Senhor, Deus dos Exércitos, ó Deus de Israel! Desperta para castigar todas as nações; não tenhas misericórdia dos traidores perversos”. Davi descreve aqui os descrentes, os pagãos. Mas em quem Paulo pensa? De certo modo, Paulo também se refere aos descrentes. Em Filipenses 3.3 ele enfatiza: “Pois nós é que somos a circuncisão”. Os falsos mestres eram judaístas e pregavam a circuncisão. Afirmavam que os crentes deveriam circuncidar-se para serem membros efetivos da igreja.
Paulo era judeu e em geral enfrentava oposição dos judeus. Aonde quer que ele fosse, seu primeiro destino era sempre a sinagoga. De fato, esse era o melhor ponto de partida para evangelizar numa cidade. Em geral, os judeus causavam então algum tumulto por não concordarem com Paulo. Onde há tumulto, costuma juntar gente para ver o que há. Uma oportunidade como essa pode ser aproveitada para pregar a todos. Assim, naquele tempo viviam no Império Romano muitos judeus espalhados por toda parte, e Deus usou essa situação para divulgar o evangelho. Paulo enfrentava oposição por perseguição. Os judaístas ensinavam “Jesus e a circuncisão” ou “Jesus e o sábado” ou “Jesus e uma outra lei”. Não era mais a graça somente.
Se alguém pregar um evangelho diferente daquele anunciado pelos apóstolos, ele será um falso mestre e amaldiçoado.
Paulo identifica esses “cães” também com “esses que praticam o mal”. O termo “praticam” designa pessoas ativas e que, nesse caso, vêm trazer um outro evangelho. Esse também era o problema das igrejas na Galácia: “Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é o evangelho. O que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele que pregamos a vocês, que seja amaldiçoado!” (Gl 1.6-8). Também aqui Paulo não deixa dúvidas. Ele diz que, se alguém pregar um evangelho diferente daquele anunciado pelos apóstolos, ele será um falso mestre e amaldiçoado.
Esses “que praticam o mal” talvez fossem externamente perfeitos, talvez seu estilo de vida parecesse impecável. Talvez tais pessoas tenham sido observadas e tenham impressionado com sua aparência exemplar e decente. No entanto, não devemos deixar-nos enganar: Satanás não é tolo, ele sabe como pode seduzir os crentes. Em Filipenses 3.18 Paulo escreve em prantos: “Pois, como já disse repetidas vezes, e agora repito com lágrimas, há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo”. O apóstolo conhece o mal que esses inimigos poderão provocar. Ele adverte os filipenses a ficarem atentos e, com respeito aos judaístas, que deverão guardar-se do legalismo.
Tendemos facilmente a pensar que devemos oferecer algo a Deus para receber algo dele. É a natureza humana: se eu trabalhar, serei remunerado. Em parte, também pensamos assim em relação à obra da redenção: preciso fazer algo a fim de merecê-la.
Não, nós nada podemos oferecer a Deus. Jesus Cristo realizou tudo por nós. É graça e apenas graça. Será que isso significaria então que podemos fazer o que bem entendemos? Não, um cristão que pensa assim precisaria se questionar se ele realmente experimentou um novo nascimento. Um cristão em quem realmente habita o Espírito de Deus desejará viver segundo o padrão de Deus. Ele será transformado pelo Espírito de Deus. Mas se começarmos a pregar a necessidade de praticar isso e mais aquilo para conquistar a salvação, como por exemplo guardar sábados e determinadas festas, observar leis de pureza, jejuar, confessar-nos, isto será um outro evangelho, que não encontramos na Bíblia.
Naquele tempo, o que penetrava na igreja eram os judaístas e adicionalmente as marcas das religiões pagãs. E como é a situação nas nossas igrejas? Em Mateus 7.21-23 lemos: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor!’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal!”.
Trata-se aqui de pessoas ativas na igreja, mas cuja motivação não é bíblica. Nem são renascidas e penetram na igreja por ganância. Essa gente, que Paulo chama de “cães” e praticantes do mal, introduzirá uma falsa circuncisão.
Teria Paulo algo contra a circuncisão? Em Filipenses 3.5 ele diz de si mesmo: “Circuncidado no oitavo dia”. Mas ali ele fala da sua vida quando ainda não era crente. Contudo, o que foi que ele fez depois com Timóteo? Atos 16.1-3 relata: “[Paulo] Chegou a Derbe e depois a Listra, onde vivia um discípulo chamado Timóteo. Sua mãe era uma judia convertida e seu pai era grego. Os irmãos de Listra e Icônio davam bom testemunho dele. Paulo, querendo levá-lo na viagem, circuncidou-o por causa dos judeus que viviam naquela região, pois todos sabiam que seu pai era grego”.
Paulo circuncidou Timóteo. A mãe de Timóteo era judia e sua circuncisão era uma expressão do seu pertencimento ao povo de Israel. Ele era judeu, e por isso não havia nenhum problema em que ele se circuncidasse. A circuncisão foi feita para que ele não escandalizasse os judeus. Paulo mesmo escreveu que ele se tornou judeu para os judeus e grego para os gregos (1Co 9.20-21). Esse foi um passo muito sábio de Paulo a fim de não se expor desnecessariamente a ataques. No entanto, isso de modo nenhum significa que ele pregasse a circuncisão. Ele enfatizava que aqueles que introduziam a falsa circuncisão exigiam a circuncisão de todos.
Também nós precisamos ficar atentos em relação ao judaísmo para não nos ocuparmos com coisas que nos conduzam de volta à lei da antiga aliança ou de introduzi-las em nossa vida, afastando-nos assim da graça de Cristo. Pergunto-me por que um cristão deveria de repente colocar um quipá na cabeça se o Senhor e os apóstolos não mandaram fazer isso. Talvez alguém goste disso, mas o faz para quem? E se alguém quiser guardar o sábado, que o faça, mas então essa pessoa deveria guardar ainda muito mais da lei da antiga aliança. Temos alguém que cumpriu toda a lei: Jesus Cristo. Ele nos salvou. O objetivo de Paulo era anunciar que não precisamos mais retornar à lei.
Deus não quer que vivamos a nossa fé em função da nossa própria força, porque assim fracassaremos.
Ele explica: “Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Fp 3.3, RA). Nós que pertencemos a Jesus Cristo é que somos a circuncisão, tanto gentios como judeus. Deus não quer que vivamos a nossa fé em função da nossa própria força, porque assim fracassaremos. A nossa própria força nos levará ao desespero.
Quando Paulo enfatiza aqui o termo “carne”, ele não se refere a algum comportamento pecaminoso. A lei não é pecado; antes, a lei revela a nossa pecaminosidade. Quando a Bíblia fala de carne, geralmente ela trata da oposição entre a carne e o espírito. Muitas vezes interpretamos a ideia de “carne” como pecado, imoralidade, adultério, prostituição, mas aqui não se trata de pecado e sim de algo que queremos alcançar na carne por meio da nossa própria força. A carne é a essência do “eu”: eu preciso fazer, eu preciso cumprir a lei, eu preciso orar cinco vezes por dia etc. Confiar na carne busca uma redenção por obras – e nesse caso estaríamos perdidos. Quando vivemos no Espírito, não nos orgulhamos do nosso próprio desempenho, mas tão somente de Cristo, e é exatamente isso que Paulo faz nos versículos seguintes, em que ele mostra que, se um judeu pudesse orgulhar-se de tudo aquilo que conseguiu por meio da carne, então esse judeu seria ele mesmo. Mas Paulo considera tudo isso como perda, como lixo. Para Paulo, Jesus Cristo tornou-se tudo.
“Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie. Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos” (Ef 2.8-10).